Desde o início do século XX o automóvel particular vem moldando as cidades e a arquitetura, demandando espaços específicos para circular e ser armazenado. Os carros e motos ditaram a organização espacial, e a consequente paisagem urbana e rural, de países inteiros, porém, com a crise climática e o reconhecimento dos problemas que este modelo de desenvolvimento traz para as cidades e para o planeta, cada dia mais percebem-se iniciativas que buscam suprimir os automóveis individuais e motorizados movidos a combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que se percebe a necessidade de ressignificar espaços que antes eram dedicados aos carros. Para além das ruas e espaços públicos, essa transformação também é sentida na escala do edifício, nas casas e prédios residenciais que começam a encarar as garagens como um espaço mais dinâmico.
Comumente a garagem é um espaço de armazenamento destinado principalmente a manter os carros e motos guardados e protegidos das intempéries. Em alguns lugares ela pode dividir espaço com as áreas de manutenção, como equipamentos de calefação e hidráulica, ou pode também servir como armazenamento de ferramentas e objetos que não se acessam no cotidiano. Em alguns lugares a garagem pode até ser usada como uma oficina doméstica, mas em geral seu uso é marginalizado e sua localização está distante das áreas sociais da casa. Ao ressignificar nossa relação com o automóvel, também remodelamos os espaços atrelados a ele, o que trás novas possibilidades de uso, seja a partir da permanência do carro e convivência com as outras necessidades rotineiras, seja considerando sua total ausência.
No caso da Garagem Gem, por Office Ou, o projeto surgiu do desejo de transformar a garagem urbana tradicional em um espaço de comodidade flexível, o que deu lugar a uma verdadeira extensão da casa, bem como um espaço de evento aberto para criar laços comunitários. Já no caso da Garagem Tini, por tini + delavegacanolasso, a ideia era encontrar um espaço intermediário entre uma garagem e um showroom, uma sala e uma galeria de arte. Mas nem sempre a transformação precisa radical, as vezes uma pequena mudança de interpretação, que se reflete no desenho arquitetônico, já é suficiente, como é o caso da Casa nas Salineiras, por RVdM Arquitectos onde a garagem ganha status de hall de entrada.
Garagem Gem / Office Ou
Garagem Tini / tini + delavegacanolasso
Casa nas Salineiras / RVdM Arquitectos
A transformação, porém, pode ser ainda mais radical ao transformar totalmente o espaço da garagem, ganhando um novo uso independente do carro. No caso do Loft Grandpa, por MEIUS Arquitetura, o projeto transforma a antiga pequena garagem em uma residência acessível para um senhor de mais de 90 anos. Já a Casa Garagem, por fala converte o térreo de um edifício residencial dos anos 50, onde era a garagem, em uma residência para um casal com aproximadamente 200 m².
Loft Grandpa / MEIUS Arquitetura
Casa Garagem / fala
Ao mesmo tempo que o espaço útil de uma garagem residencial pode dar espaço para residências a partir de reformas maiores, ele também apresenta uma conexão singular com a rua, o que é interessante para espaços comerciais, como é o caso da Floricultura Flowerbar, por AR Arquitetos que transforma a antiga garagem do edifício em um belo jardim de exposição da floricultura, ou ainda da Garagem Subterrânea, por Carlo Bagliani que faz da garagem uma galeria de arte e um ateliê. A Garagem Itamonte, por Zebulun Arquitetura aproveita do espaço para atender uma produção de cervejas artesanais, introduzindo uma grande sala com cozinha aberta, uma suíte, um banheiro e áreas de manutenção.
Floricultura Flowerbar / AR Arquitetos
Garagem Subterrânea / Carlo Bagliani
Garagem Itamonte / Zebulun Arquitetura
Apesar da independência das nossas cidades do automóvel particular ainda ser um futuro distante, é interessante perceber a resposta da arquitetura à esse processo, modificando um espaço existente, muitas vezes subutilizado, e transformando-o em novas propostas para as pessoas moradoras e também para a cidade, ressignificando usos e relações.